No momento em que tanto se discutem os graves incidentes na Escola Carolina Michaelis, no Porto, gostaria aqui de realizar um pequeno exercício de comparação, que servirá também para tentar asclarecer algumas dúvidas que me assolam.
Quais as medidas mais adequadas, ao nível de indisciplina que graça nas nossas escolas?
Que medidas poderão ser tomadas, perante o proteccionismo que a nossa sociedade confere aos jovens e adolescentes?
Que sociedade estamos a criar?
E se este “incidente” ocorresse numa escola da RAM!! Quais seriam as consequências?
Coloco estas questões porque, na região estes casos também acontecem, mas também porque a RAM dispõem de legislação própria no que se refere ao estatuto do aluno (Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário da Região Autónoma da Madeira -Decreto Legislativo Regional nº 26/2006/M.
Logo, considero pertinente despertar algumas consciências para os direitos e deveres que muitas vezes os intervenientes no processo educativo desconhecem.
Antes de mais, quero aqui salientar quais os objectivos deste estatuto. Segundo o seu Artigo 2º:
“O estatuto prossegue os princípios gerais e organizativos do sistema educativo, em especial promovendo a assiduidade, a integração dos alunos na comunidade educativa e na escola, o cumprimento da escolaridade obrigatória, o sucesso escolar e educativo e a efectiva aquisição de saberes e competências.”
Segundo este, a sua regulamentação compete (Artigo 4):
“1—O regime ora instituído deve ser desenvolvido pelo regulamento interno da escola, de acordo com os princípios da autonomia, administração e gestão, contemplando, nomeadamente:
a) Direitos e deveres específicos dos alunos;
b) Utilização das instalações e equipamentos da escola;
c) Adopção de vestuário ou indumentária adequada às actividades escolares específicas;
d) Acesso às instalações e espaços escolares;
e) Regras para a realização do conselho de turma;
f) Determinação das tarefas úteis à comunidade escolar;
g) Locais de permanência dos alunos na sequência de ordem de saída da sala de aula;
h) Eleição de representantes dos alunos nos órgãos
de administração e gestão da escola;
i) Reconhecimento e valorização do mérito, da dedicação
e do esforço no trabalho escolar, bem como do desempenho de acções meritórias em favor da comunidade em que o aluno está inserido ou da sociedade em geral, praticadas na escola ou fora dela.
2—A escola deve promover a participação da comunidade escolar no processo de elaboração do seu regulamento interno, mobilizando, para o efeito, alunos, docentes, pessoal não docente e pais e encarregados de educação.
3—O regulamento interno da escola é aprovado de acordo com o disposto no regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de educação e de ensino.”
Pese embora a regulamentação específica de cada escola existe um conjunto de regras que se constituem em deveres dos alunos (artigo 9º), nomeadamente:
“1—A realização de uma escolaridade bem sucedida, numa perspectiva de formação integral do cidadão, implica a responsabilização do aluno, enquanto nuclear da comunidade educativa, e a assunção dos seguintes deveres gerais:
a) Assiduidade;
b) Pontualidade;
c) Respeito;
d) Responsabilidade;
e) Honestidade.
2—O dever de assiduidade consiste em comparecer regular e continuamente às aulas ou a outras actividades escolares.
3—O dever de pontualidade consiste em respeitar o horário de início e termo das actividades escolares.
4—O dever de respeito consiste em:
a) Seguir as orientações dos docentes relativas ao seu processo ensino-aprendizagem;
b) Respeitar as instruções do pessoal docente e não docente quando dadas em objecto de serviço;
c) Reconhecer o exercício do direito à educação e ensino dos outros alunos;
d) Tratar com respeito e correcção todos os membros da comunidade educativa;
e) Não danificar nem se apropriar dos bens de qualquer elemento da comunidade escolar;
f) Salvaguardar a integridade física e psíquica de todos os membros da comunidade educativa.
5—O dever de responsabilidade consiste em:
a) Promover a defesa, conservação e asseio da escola, nomeadamente no que diz respeito às instalações, material didáctico, mobiliário e espaços verdes, fazendo uso adequado dos mesmos;
b) Observar o regulamento interno da escola;
c) Colaborar na realização das actividades desenvolvidas pela escola;
d) Permanecer na escola durante o seu horário, salvo motivo de força maior devidamente comprovado;
e) Abster-se do consumo de álcool e de substâncias estupefacientes ou da prática de quaisquer actos que a tal conduzam;
f) Ser, diariamente, portador do cartão de estudante e da caderneta escolar;
g) Participar na eleição dos seus representantes e prestar-lhes colaboração;
h) Não transportar quaisquer materiais, instrumentos ou engenhos passíveis de, objectivamente, causarem danos físicos ao próprio ou a terceiros.
6—O dever de honestidade consiste em:
a) Utilizar os benefícios da acção social escolar exclusivamente para os fins que determinam a sua concessão;
b) Colaborar com os responsáveis no apuramento da verdade no âmbito dos processos instaurados ao abrigo do presente diploma.”
A violação destes deveres, implica algumas medidas disciplinares (artigo 24º):
“1—O comportamento do aluno que se traduza na violação de um ou mais dos deveres gerais ou específicos constitui infracção disciplinar susceptível de aplicação de medida disciplinar.
2—As medidas disciplinares têm objectivos pedagógicos, visando promover a formação cívica dos alunos, tendente ao equilibrado desenvolvimento da sua personalidade e à sua capacidade de se relacionar com os outros, bem como à sua plena integração na comunidade educativa.”
Essas medidas estão tipificadas da seguinte forma (artigo 25º):
“Ao aluno cujo comportamento se consubstancie em infracção disciplinar é aplicável uma das seguintes medidas disciplinares:
a) Advertência ao aluno;
b) Ordem de saída da sala de aula;
c) Advertência comunicada ao encarregado de educação;
d) Repreensão registada;
e) Inibição de participar em actividades de complemento curricular;
f) Realização de actividades úteis à comunidade escolar;
g) Suspensão da frequência da escola até cinco dias úteis;
h) Suspensão da frequência da escola de 6 a 10 dias úteis;
i) Expulsão da escola no ano lectivo.”
Estas medidas são aplicadas, segundo o artigo 27º, quando ocorrem os seguintes factos:
“1—A advertência é aplicável ao aluno que pratique pequenas irregularidades.
2—A ordem de saída da sala de aula aplica-se ao aluno que, apesar de advertido, mantenha o comportamento perturbador, nos termos previstos no n.o 2 do artigo 26.o
3—A advertência comunicada ao encarregado de educação é aplicável ao aluno que pratique, reiteradamente, pequenas irregularidades.
4—A medida de repreensão registada é aplicável ao aluno que, nomeadamente:
a) Não siga as orientações dos docentes, relativas ao seu processo de ensino-aprendizagem;
b) Não acate as orientações do pessoal docente e não docente.
5—A inibição de actividades de complemento curricular é aplicável ao aluno que, nomeadamente:
a) Não observe as normas regulamentares da escola;
b) Não colabore nas actividades desenvolvidas pela escola.
6—A medida de realização de actividades úteis à comunidade escolar é aplicável ao aluno que, nomeadamente:
a) Não cumpra, injustificadamente, o dever de pontualidade;
b) Não use de correcção para com os membros da comunidade escolar;
c) Coloque em causa a defesa, conservação e asseio da escola;
d) Perturbe o normal funcionamento das actividades educativas;
e) Se ausente da escola durante o seu horário sem a devida autorização.
7—A suspensão é aplicável ao aluno que, nomeadamente:
a) Não cumpra, de forma reiterada e ostensiva, os deveres de assiduidade e pontualidade;
b) Desrespeite, gravemente, qualquer membro da comunidade escolar;
c) Danifique, intencionalmente, as instalações da escola ou os bens pertencentes a qualquer elemento da comunidade escolar;
d) Utilize os benefícios da acção social escolar para fins diferentes dos que determinam a sua concessão;
e) Preste falsas declarações no âmbito de processos instaurados ao abrigo do presente diploma;
f) Consuma álcool ou substâncias estupefacientes.
8—A expulsão da escola no ano lectivo aplica-se ao aluno que, nomeadamente:
a) Agrida fisicamente qualquer elemento da comunidade educativa;
b) Injurie ou difame, gravemente, qualquer elemento da comunidade escolar;
c) Promova o consumo de álcool ou de substâncias estupefacientes;
d) Incorra, de forma reincidente, nos comportamentos previstos no n.o 7 deste artigo.”
A leitura que faço, à luz deste estatuto, implicaria, na minha opinião, para um caso semelhante ao da escola Carolina Michaelis, a expulsão da aluna no ano lectivo em curso, porém não está implícito, mas se calhar deveria estar, se o aluno(a) poderá se inscrever noutra escola no mesmo ano lectivo (cá fica a dúvida).
Obviamente!!! A suspensão só se aplica, segundo o Artigo 49º, se o aluno estiver fora da escolaridade obrigatória.
“Alunos abrangidos pela escolaridade obrigatória
1—A aplicação da medida disciplinar de suspensão da frequência da escola aos alunos do ensino básico abrangidos pela escolaridade obrigatória deve ser substituída pelas de realização de actividades úteis à comunidade escolar ou de inibição de participar em actividades de complemento curricular, salvo nos casos em que, fundamentadamente, seja reconhecido que aquela suspensão é a única medida apta a alcançar os objectivos subjacentes à aplicação das medidas disciplinares.
2—Aos alunos a que se refere o número anterior não é aplicável a medida disciplinar de expulsão da escola.”
Confesso que, após esta pesquisa ao estatuto do aluno em vigor na RAM, continuo assolado por muitas dúvidas que me levaram a realizar esta análise:
Serão estas, as medidas mais adequadas, ao nível de indisciplina que graça nas nossas escolas?
Que medidas poderão ser tomadas, perante o proteccionismo, na minha opinião exagerado, que a nossa sociedade confere aos jovens e adolescentes?
Que sociedade estamos a criar?