sábado, março 08, 2008

O Insucesso do Sistema Educativo

Ao longo dos anos, muito se tem escrito e debatido sobre as causas do insucesso do sistema de ensino português. Hoje, decidi fazer um súmula do muito que tenho ouvido e lido sobre o tema. As causas que aponto são ideias que corroboro e que na minha opinião, nos levam, década após década, a ocupar níveis muito modestos de eficácia no Sistema de Ensino.
Desde já reconheço que um exercício deste género é obviamente bastante controverso e necessariamente incompleto, como tal, afianço-vos que o objecto não vai além de procurar fomentar o debate colocando sobre na mesa alguns argumentos, deixando à consciência pessoal de cada leitor a apreciação deste mero exercício intelectual.
Apresento de seguida algumas causas que procurei arrumar segundo os seus agentes, de modo a facilitar a leitura:

A Sociedade
- Hoje a sociedade assenta num conjunto de valores que dificultam o papel da escola, desencorajam o estudo e promovem o insucesso escolar. A cultura da diversão, do consumismo e do individualismo, que a sociedade actual venera e que apresenta como expoentes cantores, jogadores, etc… são excessivamente opostos aos valores que a escola busca transmitir, nomeadamente a procura incessante do saber, de valores inextinguíveis e de atitudes ponderadas e justificadas. Talvez por isso, ouçamos com alguma frequência os alunos questionarem-se sobre a utilidade do ensino.

O Sistema Educativo
- A elevada centralização do sistema de educativo, que reduz a capacidade de resposta, adaptação e articulação dos diversos agentes, nesse sentido considero positivas as adaptações regionais que se têm efectuado, pois essa centralização fomenta a irresponsabilidade e a burocracia, ao nível dos estabelecimentos de ensino. A morosidade dos processos e a responsabilidade das falhas são sempre atribuídas a alguém que está longe e que muitas vezes desconhecemos a identidade.
- Ofertas formativas pouco diversificadas e muitas vezes desarticuladas das necessidades do mercado de trabalho. Muitas vezes (maioritariamente) os alunos, embora completem o seu percurso escolar, apresentam monumentais dificuldades na sua transição para a vida activa, devido ao desajustamento de competências exigidas. Esse ajustamento é frequentemente realizado no seio das empresas, por formação específica ou por assimilação com a experiência do quotidiano, com claros prejuízos para os empregadores.

Os Currículos
– Desadequação dos conteúdos curriculares ao contexto local ou regional do aluno. Por exemplo, um aluno da Madeira estuda a agricultura do Alentejo, do Minho ou do Ribatejo, mas termina a escolaridade sem conhecer a agricultura da Madeira que, apesar de ser diferente das que estudou, não é contemplada pelos ditames do Ministério. Situação que leva ao desinteresse pelos conteúdos abordados. Deveria considerar-se a efectiva adopção de um estilo de ensino mais estimulante para os alunos, aplicando a matéria estudada em situações reais do quotidiano, logo mais próximas e significativas.
-Desajustamento do currículo escolares dos alunos. Muitas vezes os alunos iniciam um novo ciclo sem que possuam os pré-requisitos necessários. Por exemplo é incompreensível que um aluno ingresse no 2º Ciclo sem saber correctamente ler, escrever e resolver cálculos matemáticos simples. Porém esta é uma queixa frequente dos professores que leccionam neste ciclo e que se encontra plasmada em muitos relatórios de avaliação.
- A extensão dos Currículos e a necessidade de cumpri-los escrupulosamente é um entrave à aplicação de metodologias mais activas e centralizadas no aluno, mas sobretudo retira tempo ao professor para ultrapassar as dificuldades individuais de aprendizagem que constata nos alunos.
- Repetição de conteúdos em várias disciplinas e anos lectivos. Muitos conteúdos repetidos, de forma diferente e com terminologias diferenciadas, ao longo dos anos e das disciplinas, levando-os a desinteressarem-se pelas matérias, e a sentirem-se confusos.
- As elevadas cargas horárias semanais e o número excessivo de disciplinas e actividades lectivas, leva a que os alunos disponham de pouco tempo para outras actividades de afirmação da sua individualidade, desenvolvimento de hábitos de convivência, participação em acções colectivas em prol da comunidade. Assim os estabelecimentos de ensino transformam-se em escolas-prisão, onde os alunos permanecem por obrigação e não por interesse.
Os Professores
- Deficiências na formação inicial de professores, muitas vezes desadequada da realidade das escolas, leva a inúmeras dificuldades no normal desenvolvimento do processo de ensino/aprendizagem. Tal como no mercado de trabalho em geral, muitas das competências para o desenvolvimento da função docente são desenvolvidas em pleno contexto de trabalho.
- Elevado número de professores sem formação inicial vocacionada para o ensino. Durante muitos anos o ensino foi o “refugio” de muitos profissionais de outras áreas que não encontravam colocação no mercado de trabalho. Ainda hoje, os quadros (de escola e de zona pedagógica) estão repletos de professores nestas circunstâncias. Profissionais cuja formação pedagógica lhes foi conferida por antiguidade e pequenas formações complementares, muitas vezes de utilidade duvidosa. O mais grave é que esta situação continua a acontecer pelo menos com os professores de informática.
- Utilização de métodos de ensino, recursos didácticos, técnicas de comunicação inadequadas às características da turma ou de cada aluno, fazem parte igualmente de um vasto leque de causas que podem conduzir a uma deficiente relação pedagógica e influenciar negativamente os resultados. Num sector como este, a formação continua deve ser encarada com a maior importância, pois trata-se de um área em permanente mutação. É normal o mesmo profissional ser professor de várias gerações de alunos, com todas as transformações que isso implica, logo terá continuamente de saber adaptar-se aos novos tempos, teorias, métodos, critérios, etc…
- A gestão da disciplina na sala de aula, é outro factor que condiciona bastante o rendimento escolar dos alunos. Contudo hoje é frequente ouvir os professores questionarem-se sobre quais os meios à sua disposição para impor a disciplina, pois os sucessivos governos têm vindo a amputar os docentes dos mecanismos para esse efeito.
- O preconceito dos professores relativamente à avaliação, que quase por sistema apresenta um padrão que tende a coincidir com uma curva normal, em que apenas alguns alunos são bons, a maioria são médios, e proporcionalmente ao número dos primeiros, existem uns quantos que são mesmo maus. A avaliação deve ser o mais objectiva possivel e esta visão deve ser eliminada. Embora considere que, neste aspecto, têm vindo a ser dados passos positivos, através da utilização de critérios cada vez mais objectivos e quantificativos que posicionam “quase automaticamente” o aluno num determinado nível.
- A avaliação, conforme demonstram inúmeros estudos nunca é absoluta, pelo contrário varia em função de uma multiplicidade de factores. As modas pedagógicas, o contexto escolar, os métodos de avaliação, as disciplinas, os professores, os critérios utilizados, o modo como estes são interpretados, etc. Em suma, as constantes alterações da avaliação e a sua subjectividade dá também um forte contributo para o insucesso escolar, na medida em que os alunos muitas vezes não compreendem a sua coerência.
Os Alunos
-A instabilidade característica da adolescência, consta entre as muitas causas individuais do insucesso. Ela conduz muitas vezes o aluno a rejeitar a escola, a desinvestir no estudo das matérias, e frequentemente à indisciplina.
- A maioria dos alunos não está habituado a produzir conhecimento, mas apenas a memorizar o que lhe é transmitido. Se a escola pretende criar indivíduos capazes de compreender o mundo para poder nele intervir, deve estimulá-las não só a assimilar conhecimentos mas a criar novos. Neste sentido, um dos grandes desafios consiste em combinar memorização e raciocínio, pois produção e assimilação de conhecimento são inseparáveis na construção do saber integrado.

As Famílias
[Nota prévia: Quando muitas vezes neste Blog considerei existir, na nossa sociedade, um enorme equivoco no que se refere aos conceitos de Educação e Ensino (funções correntemente atribuídos à instituição escolar) é porque considero que em primeira instancia o dever de educar cabe à família, à qual a escola deve auxiliar. À escola compete, em primeiro lugar o dever de ensinar, instruir, transmitir conhecimentos, competências e os valores socialmente reconhecidos e por essa via participar na educação dos nossos jovens.]
- A demissão dos pais da educação dos filhos. Hoje, as actividades profissionais e as tarefas do dia-a-dia ocupam de tal forma os pais, que estes pouco tempo dedicam à educação dos seus filhos. Maioritariamente limitam-se a deslocar-se à escola pontualmente e raramente para colaborar. A escola transformou-se num prestador de serviços ao qual tudo se exige com o mínimo de incómodos possível.
- A violência domestica, os conflitos conjugais, o abandono ou a falta de atenção por parte dos pais, entre outros problemas familiares, derivam frequentemente em sintomas de rejeição que levam a que o aluno se sinta enjeitado pela sociedade, o que contribui para o desinteresse face à escola e para a indisciplina, o que acarreta consequências inevitáveis no seu sucesso escolar.
-Por fim, talvez uma das causas mais utilizadas para justificar o insucesso escolar no nosso país, a origem social dos alunos. Como refere Carlos Fontes, os sociólogos construíram a partir desta relação causa-efeito uma verdadeira panóplia de determinantes sociais que permitem explicar quase tudo:
a) Nas famílias desfavorecidas, por exemplo, os pais tendem a ser mais autoritários, desenvolvendo nos filhos normas rígidas de obediência sem discussão. Ora, quando estes chegam á adolescência revelam-se pior preparados para enfrentarem as crises de afirmação da sua independência. A sua instabilidade emocional torna-se mais profunda, traduzindo a ausência de modelos e valores estáveis, levando-os a desinvestir na escola. Os alunos oriundos destas famílias raramente são motivados pelos pais para prosseguirem os seus estudos; pelo contrário, ao mais pequeno insucesso, estes colocam logo a questão da saída da escola, o que explica as mais elevadas taxas de abandono por parte destes alunos;
b) A linguagem que estes alunos são obrigados a utilizar nos níveis mais elevados de ensino, é progressivamente mais afastada da que utilizavam no seu meio familiar, aumentando-lhes progressivamente as dificuldades de compreensão e integração, levando-os a desinteressarem-se pela escola. Para prosseguirem nos estudos são "obrigados" a renunciar à linguagem utilizada no seio familiar.
c) Os valores culturais destas famílias são, segundo alguns sociólogos, opostos aos que a escola propõe e supõe (mérito individual, espírito de competição, etc). Perante este confronto de valores, os alunos que são oriundos destas famílias estão pior preparados para os partilharem. Nesta linha de ideias, Holligshead, afirmou que os mais desfavorecidos norteam-se por objectivos a curto prazo (o presente), o que estaria em contradição com os objectivos visados pela educação (a longo prazo). Esta diferença de objectivos (e valores) acaba por os conduzir a um menor investimento escolar.
e) Muitas vezes estas são também famílias com reduzidos níveis de instrução o que origina a improficiência dos pais para apoiarem os filhos nas tarefas escolares, deixando-os entregues a si mesmos e à sua capacidade individual para ultrapassar as várias etapas, o que frequentemente resulta em abandono.

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