sexta-feira, julho 18, 2008

A Tese comprova a tese


Com o devido agradecimento ao Bloguista Roberto Rodrigues, que disponibilizou no seu blog “Cortar (d)a Direira” o link, finalmente tive acesso ao estudo da professora Liliana Rodrigues, podendo assim verificar a minha tese, sobre o tema do momento, no que a educação regional diz respeito.
Limitando-me aos números da polémica, podemos comprovar que o cenário que aqui tracei, no último post, efectivamente se verifica, pois como podemos ler no documento:

“Como podemos observar pelo Gráfico 5 apenas 29% dos jovens da RAM terminaram o ensino secundário com sucesso, precisamente porque 34.263 jovens não procederam às inscrições em todos os níveis e modalidades no ensino secundário, ou não tiveram sucesso na escola entre os anos de 1997 a 2004 e porque 79.911 casos de possíveis inscrições em todos os níveis e modalidades no ensino secundário(17) nunca se realizaram nas escolas secundárias da RAM(18). Se juntarmos os alunos que não obtiveram sucesso aos que nunca se inscreveram na escola durante este período teremos um total de 114.174 jovens que nunca se inscreveram em todos os níveis e modalidades possíveis no ensino secundário(19), portanto, 71% (Gráfico 5).”
17 Fontes: INE e DRPRE
18 Fonte: DRPRE
19 Fontes: DRPRE e INE
20 Fonte: DRPRE

Ou seja, foram considerados no total 114.174 “…jovens que nunca se inscreveram em todos os níveis e modalidades possíveis no ensino secundário…”, não considerando, portanto, os alunos que tendo entre os 15 e os 20 anos frequentam outros níveis de ensino (1º Ciclo, 2º Ciclo, 3º Ciclo e Ensino Alternativo) e que potencialmente poderão vir a frequentar o Ensino Secundário. Facto que, como já referi noutros comentários altera todos os cálculos subsequentes.

Pese embora este problema, agora que li o trabalho, considero de elementar justiça salientar que este apresenta uma interessante análise do ensino regional, que merece ser lida com serenidade e sem a obsessão dos números, por todos os que se interessam pelo ensino na Região Autónoma da Madeira.

Ainda o famoso estudo

Hoje esta "novela" teve mais um capítulo, by DN-Madeira, na qual o Magnífico Reitor intervém:

[Doutoramento não é para todos
"O que sei é que houve cinco pessoas que disseram que o estudo está bem"
...


Embora não conheça o estudo de Liliana Rodrigues, Telhado Pereira não questiona sequer a qualidade científica por acreditar na seriedade do processo e nas regras seculares dos meios académicos."O que sei é que houve cinco pessoas da área, o júri do doutoramento, que dedicaram a vida à investigação e que disseram que o estudo está bem". As leituras que dele se fazem é outra coisa, embora o reitor realce que as autoridades portugueses não facilitem o acesso a dados estatísticos como o fazem os Estados Unidos. "Não é por acaso que são ai maiores os progressos científicos". O essencial é que as universidades desenvolvam estudos independentes, que estes. "Não me parece correcto levar para a discussão política o que é da universidade. Isso não quer dizer que os professores façam voto de não participação política. Qualquer cidadão num estado democrático pode participar na vida política. Já ao contrário não é possível, não é qualquer cidadão de um estado democrático que faz parte de um júri de doutoramento. Têm que chegar a doutorados".]
...
in DN-Madeira (17-07-2008)

Considero esta, uma intervenção necessária, porém despropositada nos termos. A actividade política num país democrático deve ser tão respeitada como qualquer carreira universitária. Na minha opinião, temos todos muito a ganhar aprendendo com os outros. Também há por ai muitos Professores Doutores a quem não faria mal umas aulas de “Introdução aos Princípios Democráticos”.
Mas voltando ao tema e ignorando (propositadamente) o comentário mesquinho que dá título à noticia, saliento uma declaração que deixa transparecer aquilo que tenho vindo a afirmar:

"...embora o reitor realce que as autoridades portugueses não facilitem o acesso a dados estatísticos como o fazem os Estados Unidos. "Não é por acaso que são ai maiores os progressos científicos".

Nunca coloquei em causa a seriedade da investigadora nem do Júri, que certamente serão competentes. Apenas salientei o que julgo ser um erro de amostragem que é perfeitamente passível de acontecer nestes casos.
Por experiência própria sei da dificuldade que é seleccionar os dados apropriados, tratá-los estatisticamente, e por vezes até, conseguir esses dados. Porém, ingratamente, um erro ou uma omissão nesta fase, pode inquinar todo um estudo elaborado com seriedade e coerência. Não é por acaso que, para um mesmo assunto, podem existir estudos “para todos os gostos”.
Claro que, se a isto aliar-mos a exacerbada exploração mediática e política, só pode gerar agitação, alarido e nenhum esclarecimento. Note-se que diariamente se repetem notícias sobre o tema e ainda ninguém justificou os números apresentados.
Trabalhando apenas com os dados de que dispomos e realizando um breve exercício especulativo, podemos imaginar o seguinte cenário:
Se, como julgo, houve erro na amostra, os números apresentados são injustificáveis, pese embora todo o raciocínio subjacente (desenvolvimento do estudo) esteja correcto. Os elementos do Júri podem ter dado por seguros os valores apresentados, que segundo a pesquisa que efectuei são coerentes, se analisar-mos exclusivamente os dados do INE, que ocultam os alunos entre os 15 e os 20 anos a frequentar outros níveis de ensino (4463 alunos em 2001, ano que analisei). O problema é que os dados apresentados pelo INE não apresentam uma desagregação passível de despistar um equívoco deste género na amostra (as tabelas 2 e 3 do post anterior já o possibilitam). Logo, por essa via, dificilmente o Júri poderia ter detectado o problema . O único indício de desajustamento da amostra seria a hiperbolização dos valores, mas quem pratica investigação (mesmo não sendo doutorado) sabe que, por vezes, nos deparamos com valores que nos surpreendem.
Como tal, não coloco em causa a competência dos intervenientes, mas contrariamente à opinião do Senhor Reitor, considero que podemos e devemos SEMPRE analisar com espírito crítico todos os estudos, seja qual for a sua proveniência. Evitando aproveitamentos mediáticos, políticos ou de outra índole. E sempre com serenidade e sem corporativismos exacerbados que apenas obstam ao aprofundamento do conhecimento.
Com os dados de que disponho, continuo a afirmar que provavelmente existiu um erro de amostragem.

terça-feira, julho 15, 2008

71% SEM ENSINO SECUNDÁRIO... BASTA QUE SIM!!!!

Segundo o DN de 14-07-2008

71% sem ensino secundário

Trabalho incidiu sobre a integração dos alunos no ensino profissional

["Apenas 51% do total de jovens da Região, em idade de frequentar o ensino secundário, entre 1997 e 2004, efectuaram a matrícula. Esta foi uma das conclusões a que chegou a investigadora Liliana Rodrigues, do Centro de Investigação em Educação da Universidade da Madeira (CIE-UMa). Na tese de doutoramento sobre "A integração escolar dos alunos do ensino profissional nível III nas escolas públicas da Região Autónoma da Madeira", a docente começou por fazer uma abordagem ao ensino secundário no geral, tendo também concluído que, dos 51% dos alunos que se matricularam no período do estudo (82.881), apenas 58% terminaram o 12.º ano. Os dados poderiam ser mais dramáticos, segundo a autora do estudo, se tivermos em conta que o cruzamento entre o número total de jovens madeirenses e matriculados, entre 1997 e 2004, teve como referência uma faixa etária entre os 15 e os 20 anos, por ser, segundo a Secretaria de Educação, a média de idades com que os alunos terminam o ensino secundário, quando a idade normal de conclusão deveria ser os 18. Feitas todas as contas, apenas 29% do total dos jovens madeirenses concluíram o ensino secundário com sucesso. "Estamos muito atrás da média europeia, que ronda os 55%", sublinha a investigadora. Liliana Rodrigues explica, na sua tese de doutoramento, que 34.263 abandonaram os estudos ou não tiveram aproveitamento na escola e outros 79.911 nunca se inscreveram nas escolas secundárias da Região. Assim sendo, 71% dos jovens (114.174) ficaram sem ensino secundário, entre 1997 e 2004. Face a esta situação, Liliana Rodrigues deixa a seguinte pergunta ao poder político da Região: "É a escola lugar de igualdade de acesso e de oportunidade?"]

Como não tenho todo o tempo do mundo, peguei apenas nos valores de um ano (Censos 2001, que julgo não serem muito diferente dos restantes anos) e como até se situa sensivelmente ao meio da série de anos analisada, fui verificar a veracidade e consistência dos mesmos, pois pareciam-me absurdos.
Acabei por ter a seguinte surpresa:
A- Total de Jovens em idade de frequentar o Ens. Sec.: 23491
B- Total de Jovens com o Ens. Sec. (completo): 726
C- Total de Jovens a frequentar o Ens. Sec.: 8288
D- Total de Jovens com o Ens. Sec. Incompleto: 1151
E- Total de Jovens a frequentar o Ens. Superior:1948

Se considerar-mos
B+C+D+E = 12113 Alunos

Significa, efectivamente, que apenas 51,56% dos jovens em idade para frequentar o Ensino Secundário, frequentam ou frequentaram, esse nível de ensino.


Porém, verifiquei que subitamente tinham desaparecido das estatísticas um número demasiado elevado de alunos, após algumas pesquisas pelos meus arquivos descobri que, neste raciocínio (e provavelmente no referido estudo) não foram incluídos os alunos que, tendo entre 15 e 20 anos frequentam outros níveis de ensino, anteriores ao secundário.

E obviamente esse número não pode ser desprezado pois é significativo. Vejamos então esses valores:

Alunos entre 15 e 20 anos no 1º Ciclo: 83
Alunos entre 15 e 20 anos no 2º Ciclo: 250
Alunos entre 15 e 20 anos no 3º Ciclo: 3756
Alunos entre 15 e 20 anos no Ensino Alternativo: 374
Total: 4463 (que não foram contabilizados)


Alunos Matriculados, por escalões etários (Ano lecivo 2001/2002)


Fonte:SRE

Se refizermos as contas, atendendo aos 12113 alunos considerados, acrescendo os 4463 alunos não considerados, obteremos um total de 16576 alunos entre os 15 e os 20 anos que frequentam ou frequentaram o Ensino Secundário.
Assim, a percentagem dos jovens em idade de frequentar o Ensino Secundário, que efectivamente o fazem ou fizeram é de 70,56%, o que altera por completo todos os cálculos posteriores.

Posto isto, não me debruçarei mais sobre o assunto. Pois, tendo apenas dedicado duas horas a esta mediática noticia, não percebo como tal estudo pôde passar pelo crivo do Júri e pelos orientadores de Doutoramento.

Pelos vistos, o ensino superior também não goza de boa saúde!!! Mas isso é outra conversa.
Só tenho pena que outros não façam como eu e verifiquem os dados antes de opinar, em jornais, blogues etc…





sábado, julho 12, 2008

Regionalização do Ensino por explorar -1- A história

Num destes dias, li esta notícia sobre a regionalização na educação:
[Regionalização do Ensino por explorar
Deputado do PS diz que a Madeira pode ir mais longe conforme permite a Constituição e o Estatuto Político-Administrativo.
O açoriano Ricardo Rodrigues também lança críticas ao Representante da República na Madeira, que diz ser mais centralista que o próprio Tribunal Constitucional.
O deputado socialista dos Açores à Assembleia da República, Ricardo Rodrigues, criticou hoje o facto de a Região não estar a explorar como deveria e podia para ir mais longe na regionalização do Ensino e Educação, dado que, tanto a Constituição da República como o Estatuto Político-Administrativo, garantem competências nessa matéria às autonomias.
Para o também jurista, "é uma possibilidade real e efectiva" que a Madeira não aproveita, devido a uma estratégia do Governo Regional de "afrontamento com a República" ou pelo facto do Representante da República "manifestar-se mais centralista que o próprio Tribunal Constitucional".]

Diário de Noticias – Madeira (28-06-2008)

Considero, antes de mais, a primeira afirmação uma verdade de “la palice” pois, como em quase tudo na vida, podemos sempre ir mais além. Mas no que toca a este tema, especificamente, considero que já estamos “além da Tapurbana”, pois nunca no Sistema Educativo Português se foi tão longe, no âmbito do aprofundamento das especificidades regionais no campo da educação.
Talvez seja necessário recordar aqui um pouco da história recente da Educação Regional, ou seja, do muito que, pese embora os espartilhos centralistas dos diferentes governos, se tem conseguido inovar em termos de educação.
O que reza a história:

Década de 70 - Elevados índices de analfabetismo, face à média nacional, inexistência de oferta pública de educação pré-escolar, escolaridade obrigatória acabada de ser ampliada em dois anos e sem possibilidades de ser plenamente cumprida face ao parque escolar, Ensino Secundário existente apenas no Funchal, tendo que cobrir toda a Ilha da Madeira e Porto Santo.

- Transferência de competências do Governo da República para os órgãos de Governo próprio da Região Autónoma da Madeira culminando na publicação do Decreto-Lei nº 364/79, de 4 de Setembro;

Década de 80 - Definição e efectivação da estrutura educativa regional

- Construção de escolas;
- Generalização do acesso das populações ao ensino;
- Criação do Centro de Formação Profissional da Madeira;
- Criação do Centro de Educação Especial da Madeira;
- Aprofundamento das competências transferidas pelo Decreto-Lei n.º364/79;
- Aparecimento de legislação regional para os concursos de pessoal docente;
- Inicio, de forma inovadora no espaço nacional, da formação de professores vocacionados para os complementos curriculares do primeiro ciclo do ensino básico, nas áreas de expressão musical e dramática, bem como no desporto escolar;
- Criação dos Gabinetes Coordenadores, para as áreas de complemento curricular do primeiro ciclo (desporto escolar e expressão musical e dramática);
- Criação do Centro Regional de Formação Profissional para Deficientes;
- Criação, inédita em Portugal à data, de quadros específicos para educadores de infância e professores do ensino básico especializados na área da educação e ensino especial.


Década de 90 - desenvolvimento e aprofundamento do modelo

- Extinção da Telescola;
- O Ensino Secundário chega a todos os concelhos da região;
- Início da experiência “Escola a Tempo Inteiro”, então um projecto inédito a nível nacional;
- Aumento do nível da oferta curricular e das actividades de enriquecimento curricular, que visavam fazer face às necessidades da escola a tempo inteiro;
- Entrada em funcionamento dos cursos com Currículos Alternativos aos do 3º Ciclo do Ensino Básico regular e recorrente, bem como os cursos de formação profissional qualificante, permitindo uma certificação escolar a par com uma qualificação profissional;
- Implementação, de forma percursora em Portugal, de um Programa Regional de Apoio aos Sobredotados;
- Criação dos Centros de Actividades Ocupacionais de âmbito concelhio;
- Criação dos Centros de Apoio Psico-pedagógicos, também com âmbito concelhio;


No novo século:

- Apresentação de uma proposta de regime jurídico relativo ao sistema educativo regional;
- Criação do Estatuto da Carreira Docente Regional (RAM)
- Regionalização (adequação), dos conteúdos de algumas disciplinas do Currículo Nacional, às especificidades regionais.

Claro que mais poderia ter sido feito, sempre pode! Podemos até criticar a forma ou a substância de algumas decisões, mas não podemos esquecer as diversas tentativas para aprofundar a autonomia nesta área específica, nem o muito que tem sido feito no sentido de adequar o ensino ministrado às especificidades regionais.
Muito em breve voltarei a este tema..... talvez abordando o quadro legal.

sexta-feira, julho 04, 2008

Valter Lemos em análise


Como devem ter notado, por escritos anteriores, não nutro pelo Mestre Valter Lemos (Secretário de Estado da Educação) um particular apreço. Porém, tendo referido o seu nome no post anterior, não resisto à tentação de desvendar, através deste texto de Maria Filomena Mónica, um pouco da "obra" deste cavalheiro que tão relevantes transformações tem procurado introduzir na política educativa do nosso país.

Com a devida vénia à sua autora:

Não, sr. secretário de Estado


Maria Filomena Mónica


Valter Lemos nunca participou em debates parlamentares, nunca demonstrou possuir uma ideia sobre Educação. A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, tem aparecido na televisão e até no Parlamento, o mesmo não sucedendo ao seu secretário de Estado, Valter Lemos. É pena, porque este senhor detém competências que lhe conferem um enorme poder sobre o ensino básico e secundário. Intrigada com a personagem, decidi proceder a uma investigação. Eis os resultados a que cheguei.

Natural de Penamacor, Valter Lemos tem 51 anos, é casado e possui uma licenciatura em Biologia: até aqui nada a apontar. Os problemas surgem com o curriculum vitae subsequente. Suponho que ao abrigo do acordo que levou vários portugueses a especializarem-se em Ciências da Educação nos EUA, obteve o grau de mestre em Educação pela Boston University. A instituição não tem o prestígio da vizinha Harvard, mas adiante. O facto é ter Valter Lemos regressado com um diploma na “ciência” que, por esse mundo fora, tem liquidado as escolas. Foi professor do ensino secundário até se aperceber não ser a sala de aula o seu habitat natural, pelo que passou a formador de formadores, consultor de “projectos e missões do Ministério da Educação” e, entre 1985 e 1990, a professor adjunto da Escola Superior do Instituto Politécnico de Castelo Branco.

Em meados da década de 1990, a sua carreira disparou: hoje, ostenta o pomposo título de professor-coordenador, o que, não sendo doutorado, faz pensar que a elevação académica foi política ou administrativamente motivada; depois de eleito presidente do conselho científico da escola onde leccionava, em 1996 seria nomeado seu presidente, cargo que exerceu até 2005, data em que entrou para o Governo. Estava eu sossegadamente a ler o Despacho ministerial nº 11 529/2005, no Diário da República, quando notei uma curiosidade. Ao delegar poderes em Valter Lemos, o texto legal trata-o por “doutor”, título que só pode ser atribuído a quem concluiu um doutoramento, coisa que não aparece mencionada no seu curriculum. Estranhei, como estranhei que a presidência de um politécnico pudesse ser ocupada por um não doutorado, mas não reputo estes factos importantes. Aquando da polémica sobre o título de engenheiro atribuído a José Sócrates, defendi que os títulos académicos nada diziam sobre a competência política: o que importa é saber se mentiram ou não.

Deixemos isto de lado, a fim de analisar a carreira política do sr. secretário de Estado. Em 2002 e 2005, foi eleito deputado à Assembleia da República, como independente, nas listas do Partido Socialista. Nunca lá pôs os pés, uma vez que a função de direcção de um politécnico é incompatível com a de representante da nação. A sua vida política limita-se, por conseguinte, à presidência de uma assembleia municipal (a de Castelo Branco) e à passagem, ao que parece tumultuosa, pela Câmara de Penamacor, onde terá sofrido o vexame de quase ter perdido o mandato de vereador por excesso de faltas injustificadas, o que só não aconteceu por o assunto ter sido resolvido pela promulgação de uma nova lei.

Em resumo, Valter Lemos nunca participou em debates parlamentares, nunca demonstrou possuir uma ideia sobre Educação, nunca fez um discurso digno de nota.

Chegada aqui, deparei-me com uma problema: como saber o que pensa do mundo este senhor? Depois de buscas por caves e esconsos, descobri um livro seu, O Critério do Sucesso: Técnicas de Avaliação da Aprendizagem. Publicado em 1986, teve seis edições, o que pressupõe ter sido o mesmo aconselhado como leitura em vários cursos de Ciências da Educação. Logo na primeira página, notei que S. Excia era um lírico. Eis a epígrafe escolhida: “Quem mais conhece melhor ama.” Afirmava seguidamente que, após a sua experiência como formador de professores, descobrira que estes não davam a devida importância ao rigor na “medição” da aprendizagem. Daí que tivesse decidido determinar a forma correcta como o docente deveria julgar os estudantes. Qualquer regra de bom senso é abandonada, a fim de dar lugar a normas pseudocientíficas, expressas num quadrado encimado por termos como “skill cognitivos”.
Navegando na maré pedagógica que tem avassalado as escolas, apresenta depois várias “grelhas de análise”. Entre outras coisas, o docente teria de analisar se o aluno “interrompe o professor”, se “não cumpre as tarefas em grupo” e se “ajuda os colegas”.

Apenas para dar um gostinho da sua linguagem, eis o que diz no subcapítulo “Diferencialidade”: “Após a aplicação do teste e da sua correcção deverá, sempre que possível, ser realizado um trabalho que designamos por análise de itens e que consiste em determinar o índice de discriminação, [sic para a vírgula] e o grau de dificuldade, bem como a análise dos erros e omissões dos alunos. Trata-se portanto, [sic de novo] de determinar as características de diferencialidade do teste.” Na página seguinte, dá-nos a fórmula para o cálculo do tal “índice de dificuldade e o de discriminação de cada item”. É ela a seguinte: Df= (M+P)/N em que Df significa grau de dificuldade, N o número total de alunos de ambos os grupos, M o número de alunos do grupo melhor que responderam erradamente e P o número de alunos do grupo pior que responderam erradamente.

O mais interessante vem no final, quando o actual secretário de Estado lamenta a existência de professores que criticam os programas como sendo grandes demais ou desadequados ao nível etário dos alunos. Na sua opinião, “tais afirmações escondem muitas vezes, [sic mais uma vez] verdades aparentemente óbvias e outras vezes “desculpas de mau pagador”, sendo difícil apoiá-las ou contradizê-las por não existir avaliação de programas em Portugal”. Para ele, a experiência dos milhares de professores que, por esse país fora, têm de aplicar, com esforço sobre-humano, os programas que o ministério inventa não tem importância.

Não contente com a desvalorização do trabalho dos docentes, S. Excia decide bater-lhes: “Em certas escolas, após o fim das actividades lectivas, ouvem-se, por vezes, os professores dizer que lhes foi marcado serviço de estatística. Isto é dito com ar de quem tem, contra a sua vontade, de ir desempenhar mais uma tarefa burocrática que nada lhe diz. Ora, tal trabalho, [sic de novo] não deve ser de modo nenhum somente um trabalho de estatística, mas sim um verdadeiro trabalho de investigação, usando a avaliação institucional e programática do ano findo.” O sábio pedagógico-burocrático dixit.

O que sobressai deste arrazoado é a convicção de que os professores deveriam ser meros autómatos destinados a aplicar regras. Com responsáveis destes à frente do Ministério da Educação, não admira que, em Portugal, a taxa de insucesso escolar seja a mais elevada da Europa. Valter Lemos reúne o pior de três mundos: o universo dos pedagogos que, provindo das chamadas “ciências exactas”, não têm uma ideia do que sejam as humanidades, o mundo totalitário criado pelas Ciências da Educação e a nomenklatura tecnocrática que rodeia o primeiro-ministro.

O Ministério da Educação anda a facilitar


Já que a palavra facilitismo ainda não se encontra oficialmente integrada no Dicionário de Língua Portuguesa, utilizo o verbo facilitar por ser aquele, que na minha opinião, melhor caracteriza as deliberações deste ministério, especialmente no que a exames diz respeito.
Pese embora o burburinho mediático, à volta da alegada simplicidade dos exames nacionais de Matemática e Português, procurei não emitir opinião sem possuir um fundamento sólido ou uma prova irrefutável.
Obviamente, nestas matérias, essas provas são extraordinariamente difíceis de obter, na medida em que os conceitos de simplicidade ou de facilidade são extremamente subjectivos, como se pode constatar pelas declarações contraditórias que têm sido veiculadas pela comunicação social. Contudo, hoje ao debruçar-me sobre um extraordinário artigo de opinião de Maria Filomena Mónica, por quem tenho um especial apreço e consideração, encontrei a pista pela qual ansiava. Uma referencia à Portaria 1322/2007, de 4 de Outubro último, que “estabelece os princípios orientadores da organização e da gestão do currículo, bem como da avaliação e certificação das aprendizagens do nível secundário de educação, aplicáveis aos diferentes percursos do nível secundário de educação”, anteriormente estabelecida pela Portaria n.º 259/2006, de 14 de Março. Isto para quiser investigar. Da minha parte vou já ao que interessa.

Na referida Portaria, no seu Artigo 17.º - Avaliação sumativa externa, pode ler-se:

“5 — Os exames finais nacionais realizam-se nos termos definidos no artigo 11.º do Decreto -Lei n.º 74/2004, de 26 de Março, com as alterações do Decreto –Lei n.º 24/2006, de 6 de Fevereiro, e incidem sobre o programa correspondente ao 12.º ano, no caso das disciplinas trienais, e sobre os programas relativos à totalidade dos anos de escolaridade em que a disciplina é leccionada, nos restantes casos.”

Disciplinas trienais:

Português,
Matemática A,
Desenho A,
História A,
Educação Física.

Ou seja, de uma assentada, o Secretário de Estado Valter Lemos elimina do conteúdo dos exames, de cada uma destas disciplinas, dois anos de matéria leccionada, se compararmos com os exames de outros anos. Ou seja, a portaria 1322/2007 deu-lhes autorização para esquecer o que eventualmente tivessem aprendido nos dois anos anteriores, facilitando-lhes desta forma o estudo, diminuindo-lhes o trabalho e aumentando exponencialmente as probabilidades de obterem melhores resultados, para si, a titulo pessoal e para a equipa ministerial que poderá exaltar os excelentes resultados das suas “políticas” educativas.
"Parabéns", muito bem engendrando. Mas pela parte que me toca, dispenso este "Simplex Educativo".

quarta-feira, julho 02, 2008

Exames de Matemática

Não pretendo contribuir para a polémica, sobre a maior ou menor dificuldade dos exames de Matemática. Apenas relembrar, um frente a frente entre um professor de Matemática e a Sr.ª. Ministra da Educação, no programa Prós e Contras, apenas há alguns meses.




Talvez este professor, inadvertidamente, tenha apontado à Srª. Ministra o caminho mais fácil para obter resultados na disciplina!!! É mais fácil e muito mais cómodo mudar um exame, que toda uma politica educativa.

terça-feira, julho 01, 2008

Facilitismo 1

Recentemente, ao reencontrar um grupo de ex-alunos, que sabia serem pouco empenhados, questionei-os sobre a sua conduta, nomeadamente, sobre a postura de desinteresse, a ausência de esforço e de trabalho em relação aos conteúdos leccionados, entre outros comportamentos que sabia serem frequentes, naquele grupo, alguns anos antes. Surpreendentemente, foram unânimes em reconhecer que essa situação ocorria e continua a manter-se pois, segundo eles, é o suficiente para ir “passando”, já que o sistema educativo português mais não exige.
Para melhor ilustrar aquilo que me estavam a explicar, um aluno apontou o seu exemplo pessoal:
"'Stôr', estou no 10º ano e não fiz quase nada para chegar aqui! No ano passado, tive sete negativas no segundo período, tive o ano todo a brincar e no fim do ano, passei! Para quê esforçar-me mais?!"
Quase rendido à evidência, lá fui tentando sugerir que no 10º ano teria de se empenhar mais, porque será mais difícil…
Mas…na verdade, um sistema que possibilita circunstâncias desta estirpe, jamais conseguirá incutir nos estudantes a exigência, o empenho e o rigor que a educação carece, enquanto processo indispensável ao amadurecimento humano e ao desabrochar harmonioso das potencialidades que permitem ao ser humano reconhecer-se como pessoa autónoma, livre e com um projecto de vida orientado para um ideal a atingir.