Numa altura em que tanto se fala da avaliação dos professores a nível nacional e atendendo a que esse aspecto ainda não se encontra regulamentado para o Estatuto da Carreira Docente da Região, considero interessante a leitura deste artigo de opinião publicado em 29 de Fevereiro de 2008 na revista VISÃO:
“Independentemente do mérito ou do demérito das políticas educativas do Executivo Sócrates, plasmadas em diplomas legais como os que regulam a carreira docente, a avaliação de desempenho e a gestão escolar, entre outros, uma coisa salta à vista: a ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues pôs a carroça à frente dos bois.
Com efeito, sem bons professores não há sistema de ensino que funcione a contento. Por isso, a prioridade do Governo devia ser (ou ter sido) a de criar condições para uma adequada preparação dos professores, visando a boa execução das suas importantíssimas, delicadas e múltiplas tarefas, de cujo êxito ou inêxito depende o futuro do País.
Numa entrevista que me concedeu em 2002, a propósito da publicação do seu livro As Políticas de Educação em Discurso Directo, António Teodoro, especialista em Ciências da Educação, já dizia que a escola está a responder mal aos problemas levantados pela massificação, o principal dos quais, em sua opinião, reside na diversidade cultural. «A escola», afirmou ele, então, «foi criada para uniformizar, de acordo com os padrões do Estado-Nação. Em primeiro lugar, a língua: na escola portuguesa, não se permitia a ninguém que se exprimisse, por exemplo, em mirandês, ainda que essa fosse a sua língua materna; em segundo lugar, os hábitos culturais, impondo-se às crianças do campo uma cultura urbana, ou seja, tomando-se como modelo o aluno da classe dominante, a que os americanos chamam WASP (White, Anglo-Saxon, Portestant) e que nós, por analogia, poderíamos denominar BLC (Branco, Luso, Católico). O que se pedia aos professores era, pois, que ensinassem muitos como se fossem um só. Agora, pede-se-lhes que tenham em conta as diversidades culturais, que as respeitem e as ponham a dialogar. Mas eles não estão ainda preparados para essa grande alteração do paradigma escolar.»
Não surpreende que assim seja. Na perspectiva da História da Educação, foi muito rápida a transformação das populações escolares, antes homogéneas, em multidões de variadas origens não apenas culturais mas também étnicas e sócio-económicas, num contexto «de mudança de valores, em que o dinheiro e o lazer estão a ganhar peso, em prejuízo do conhecimento e da leitura, e instituições de socialização, como a Igreja e a família, se confrontam com uma profunda crise», conforme nota António Teodoro, naquela entrevista. O professor tornou-se, na verdade, uma espécie de «criada para todo o serviço» Além de ensinar, tem de ser pai ou mãe, psicólogo, assistente social, polícia. Isto é, atribuem-se à escola mais e mais responsabilidades, nas quais se diluem as funções docentes. «Quando se acumulam muitas e diversas competências, perde-se a noção de qual é a principal», concluiu António Teodoro.
Uma grande trapalhada
Neste contexto, impõe-se perguntar: Que modelos de formação profissional (estágio) tiveram os professores actualmente em exercício? Que componentes científicas, sociológicas e pedagógicas fazem parte desses modelos? Quem deu aos docentes formação profissional tinha para tal a preparação necessária, ou seja, era professor profissionalizado?
Além de se encontrarem em vigor numerosos modelos de formação, com conteúdos variados, num quadro de grande confusão, muitos formadores, nomeadamente os docentes universitários que dirigem e orientam os estágios integrados, não receberam formação profissional.
Nos últimos 34 anos, nunca, aliás, a preparação para a docência dos candidatos a professores constituiu a principal preocupação do legislador - ou seguiu a reboque das alterações introduzidas por decreto-lei no sistema educativo ou, pura e simplesmente, não foi contemplada pela legislação, o que consentiu que entrassem para a profissão docentes sem preparação profissional. Isto é: os governos que, naquele período, se sucederam no poder foram alterando, em certos casos profundamente e sempre por decreto, as práticas, sem cuidarem de preparar os professores para as mudanças exigidas pelos novos normativos.
Alguns exemplos ilustram o caos que se instalou no sector da formação:
- o Decreto-Lei 43/89, de 3 de Fevereiro, instituiu, nas escolas, a metodologia de projecto (Projecto Educativo de Escola);
- segundo o Decreto-Lei 269/89, de 29 de Agosto, a Área Escola é desenvolvida de acordo com a metodologia de projecto;
- desde que o Decreto-Lei 269/89 foi revogado na sua aplicação ao Ensino Básico pelo Decreto-Lei 06/01, de 18 de Janeiro, que o Projecto Curricular de Escola , o Projecto Curricular de Turma e a Área de Projecto se institucionalizaram;
- depois, por força do Decreto-Lei 74/04 de 26 de Março , o Decreto-Lei 269/89 deixou de se aplicar igualmente ao Ensino Secundário, passando a Área de Projecto a ser uma disciplina do 12.°ano.
Quem consegue entender-se, no meio desta teia de esquemas normativos acerca dos quais raros são os professores que estão convenientemente informados para poderem actuar tanto a nível da gestão curricular em projecto como no campo da gestão de sala de aula?
Finalmente, para não irmos mais longe, o Decreto-Lei 06/01 relançou uma série de disciplinas curriculares não disciplinares que qualquer professor pode ser chamado a leccionar – Área de Projecto (AP), Estudo Acompanhado (EA) e Formação Cívica (FC). De onde se induz que os professores, por exemplo, de Inglês e de Matemática têm de saber ensinar, não apenas Inglês e Matemática, mas também AP, EA e FC. Só que não tiveram, para isso, formação profissional apropriada.
Deste modo, à lista de tarefas que, na opinião de António Teodoro, os professores portugueses se vêem obrigados a desempenhar, temos de acrescentar, além da normal preparação académica para o ensino das disciplinas em que se especializaram, a constante acumulação de competências e saberes relativos, pelo menos, a
- metodologia de projecto;
- liderança e supervisão pedagógicas;
- ensinar os alunos a estudar;
- adaptar à escola o currículo e os programas nacionais;
Por quem e como são os professores preparados para tão complexa missão?
E, neste quadro, que justiça haverá na respectiva avaliação?"
“Independentemente do mérito ou do demérito das políticas educativas do Executivo Sócrates, plasmadas em diplomas legais como os que regulam a carreira docente, a avaliação de desempenho e a gestão escolar, entre outros, uma coisa salta à vista: a ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues pôs a carroça à frente dos bois.
Com efeito, sem bons professores não há sistema de ensino que funcione a contento. Por isso, a prioridade do Governo devia ser (ou ter sido) a de criar condições para uma adequada preparação dos professores, visando a boa execução das suas importantíssimas, delicadas e múltiplas tarefas, de cujo êxito ou inêxito depende o futuro do País.
Numa entrevista que me concedeu em 2002, a propósito da publicação do seu livro As Políticas de Educação em Discurso Directo, António Teodoro, especialista em Ciências da Educação, já dizia que a escola está a responder mal aos problemas levantados pela massificação, o principal dos quais, em sua opinião, reside na diversidade cultural. «A escola», afirmou ele, então, «foi criada para uniformizar, de acordo com os padrões do Estado-Nação. Em primeiro lugar, a língua: na escola portuguesa, não se permitia a ninguém que se exprimisse, por exemplo, em mirandês, ainda que essa fosse a sua língua materna; em segundo lugar, os hábitos culturais, impondo-se às crianças do campo uma cultura urbana, ou seja, tomando-se como modelo o aluno da classe dominante, a que os americanos chamam WASP (White, Anglo-Saxon, Portestant) e que nós, por analogia, poderíamos denominar BLC (Branco, Luso, Católico). O que se pedia aos professores era, pois, que ensinassem muitos como se fossem um só. Agora, pede-se-lhes que tenham em conta as diversidades culturais, que as respeitem e as ponham a dialogar. Mas eles não estão ainda preparados para essa grande alteração do paradigma escolar.»
Não surpreende que assim seja. Na perspectiva da História da Educação, foi muito rápida a transformação das populações escolares, antes homogéneas, em multidões de variadas origens não apenas culturais mas também étnicas e sócio-económicas, num contexto «de mudança de valores, em que o dinheiro e o lazer estão a ganhar peso, em prejuízo do conhecimento e da leitura, e instituições de socialização, como a Igreja e a família, se confrontam com uma profunda crise», conforme nota António Teodoro, naquela entrevista. O professor tornou-se, na verdade, uma espécie de «criada para todo o serviço» Além de ensinar, tem de ser pai ou mãe, psicólogo, assistente social, polícia. Isto é, atribuem-se à escola mais e mais responsabilidades, nas quais se diluem as funções docentes. «Quando se acumulam muitas e diversas competências, perde-se a noção de qual é a principal», concluiu António Teodoro.
Uma grande trapalhada
Neste contexto, impõe-se perguntar: Que modelos de formação profissional (estágio) tiveram os professores actualmente em exercício? Que componentes científicas, sociológicas e pedagógicas fazem parte desses modelos? Quem deu aos docentes formação profissional tinha para tal a preparação necessária, ou seja, era professor profissionalizado?
Além de se encontrarem em vigor numerosos modelos de formação, com conteúdos variados, num quadro de grande confusão, muitos formadores, nomeadamente os docentes universitários que dirigem e orientam os estágios integrados, não receberam formação profissional.
Nos últimos 34 anos, nunca, aliás, a preparação para a docência dos candidatos a professores constituiu a principal preocupação do legislador - ou seguiu a reboque das alterações introduzidas por decreto-lei no sistema educativo ou, pura e simplesmente, não foi contemplada pela legislação, o que consentiu que entrassem para a profissão docentes sem preparação profissional. Isto é: os governos que, naquele período, se sucederam no poder foram alterando, em certos casos profundamente e sempre por decreto, as práticas, sem cuidarem de preparar os professores para as mudanças exigidas pelos novos normativos.
Alguns exemplos ilustram o caos que se instalou no sector da formação:
- o Decreto-Lei 43/89, de 3 de Fevereiro, instituiu, nas escolas, a metodologia de projecto (Projecto Educativo de Escola);
- segundo o Decreto-Lei 269/89, de 29 de Agosto, a Área Escola é desenvolvida de acordo com a metodologia de projecto;
- desde que o Decreto-Lei 269/89 foi revogado na sua aplicação ao Ensino Básico pelo Decreto-Lei 06/01, de 18 de Janeiro, que o Projecto Curricular de Escola , o Projecto Curricular de Turma e a Área de Projecto se institucionalizaram;
- depois, por força do Decreto-Lei 74/04 de 26 de Março , o Decreto-Lei 269/89 deixou de se aplicar igualmente ao Ensino Secundário, passando a Área de Projecto a ser uma disciplina do 12.°ano.
Quem consegue entender-se, no meio desta teia de esquemas normativos acerca dos quais raros são os professores que estão convenientemente informados para poderem actuar tanto a nível da gestão curricular em projecto como no campo da gestão de sala de aula?
Finalmente, para não irmos mais longe, o Decreto-Lei 06/01 relançou uma série de disciplinas curriculares não disciplinares que qualquer professor pode ser chamado a leccionar – Área de Projecto (AP), Estudo Acompanhado (EA) e Formação Cívica (FC). De onde se induz que os professores, por exemplo, de Inglês e de Matemática têm de saber ensinar, não apenas Inglês e Matemática, mas também AP, EA e FC. Só que não tiveram, para isso, formação profissional apropriada.
Deste modo, à lista de tarefas que, na opinião de António Teodoro, os professores portugueses se vêem obrigados a desempenhar, temos de acrescentar, além da normal preparação académica para o ensino das disciplinas em que se especializaram, a constante acumulação de competências e saberes relativos, pelo menos, a
- metodologia de projecto;
- liderança e supervisão pedagógicas;
- ensinar os alunos a estudar;
- adaptar à escola o currículo e os programas nacionais;
Por quem e como são os professores preparados para tão complexa missão?
E, neste quadro, que justiça haverá na respectiva avaliação?"
Daniel Ricardo - In Revista Visão (29-02-2008)
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